16.2.06

Diário de um passageiro. vol. 5 - Barroquinha/São Cristóvão.08 de fevereiro '06

é uma pena eu não ter escrito esse texto no mesmo dia do acontecido.

no ponto em que pego ônibus passam 3 ou 4 ônibus que servem pra eu ir pro trabalho. geralmente dou preferência ao Terminal da França com ar condicionado que só custa 10 centavos a mais. mas, quando estou atrasado, pego o primeiro que vier. nesse dia eu tava mais do que atrasado e peguei o Barroquinha.
de frente para a escada de acesso, uma velhinha sentada. luvas, camisa branca abotoada até o queixo, casaquinho de vovó, saia comprida, óclinhos, cabelo preso...
sentei um pouco à frente e, lá pras tantas, veja a simpática velhinha pedir a uma menina para mudar para o assento do corredor para que ela sentasse à janela. eu estava ouvindo discman (Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta) e não ouvi odiálogo. só sei que a menina negou o pedido sem nem titubear. a velhinha então passou dois bancos e encontrou um lugar na janela. só que, ao invés de sentar, ela foi se ajeitando para ajoelhar-se, virada pra trás... na direção da menina que a havia negado o lugar. e foi aí que começou a saga.
na ordem estavam a menina que negou o assento, duas meninas no lugar à frente e a velhinha depois. e a velhinha começou a falar. empunhou sua bíblia e falou. eu realmente não estava ouvindo e nem queria ouvir... ("me deixe aqui ouvindo Ronei"). mas dava para notar que a senhora, que havia começado falando de forma delicada, já estava se empolgando. o volume da voz ia aumentando, os gestos ficando mais bruscos, os olhos mais arregalados. não sei a quem ela se dirigia mas sei que ela falava sozinha... não havia uma resposta.
engraçado que um momento que ouvi, ela tava falando de uma compra que ela fez na Insinuante e que as prestações não acabavam nunca e ... volta a música! rápido!!!
o ônibus foi enchendo e a velha falando mais alto. as meninas já haviam levantado e mudado de lugar. mesmo assim a gritaria continuava! e Ronei cantava: "...você insistiu em castigar..."! e eu concordava com ele!
tinha gente que já entrava no buzu reclamando. se tem uma coisa que ela conseguiu foi criar uma cumplicidade entre a galera do buzu... num lugar onde, normalmente, as pessoas não se falam, nesse dia todo mundo se olhava e ria e comentava...
finalmente (!!!!!!!!!!) chegava a hora d'eu descer. a essa altura a velhinha estava com sua bíblia ao pé do ouvido - como quem ouve rádio - e cantava: "Jeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeesussss! Jeeeeeeeeeeeeeeesuss!"
a última coisa que Ronei me disse? "pai, mãe, eu vou partir. tem um circo em frente à casa".
a vida imita a arte

depois que cheguei em Itapuã, precisei me acostumar com meus novos caminhos.
pra ir pegar ônibus, pra ir na casa de Amanda, pra sair com o carro...
no meu roteiro até o ponto de ônibus, passo por uma rua movimentada, com lixo no chão e cheia de buracos.
certo dia, ao dobrar a esquina para essa rua, me deparo com uma cena clássica do cinema brasileiro. um cara agachado - como o goleiro fica quando espera a cobrança de um penalti - cercando uma galinha para não deixá-la fugir.
só faltaram os outros personagens, armados gritando: "pega a galinha aê!!!"

ahhh! Itapuã!!!